De nosso amor e loucura...

Alguns de nós, eu inclusive, já vimos acalentando a ideia de criar este blog. Fazemos, de certo, parte de um grupo que não se entende como apenas professor, pessoas que criam contos, crônicas, novelas e têm receios de expor suas produções. Somos loucos... loucos pelo ócio mais trabalhoso que existe: escrever Utilizamos as palavras de Clarice Lispector para definir nossa loucura... "Escrevemos porque somos desesperados e estamos cansados, não suportamos mais a rotina de nos ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, nós nos morreríamos simbolicamente todos os dias."

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Shakespeare e os Românticos Franceses


Em seu livro “A morte da tragédia", George Steiner junta o nome de Shakespeare ao de Homero, Ésquilo, Jó, Isaías e Dante como ápices solitários do espírito humano. Steiner relata que o grande escritor francês Victor Hugo, quando exilado na ilha de Jersey, escreveu um livro denominado William Shakespeare em homenagem ao dramaturgo inglês.
Shakespeare foi ignorado e às vezes até ultrajado pelo neoclassicismo francês. Voltaire o considerava um bárbaro desconhecido com raros clarões de energia primitiva, e Diderot o reconhecia como grande escritor,  mas considerava sua obra amorfa. Shakespere foi iconoclasta e quebrou a doutrina neoclássica da unidade. Os românticos espelhavam-se na ousadia do bardo e misturavam o cômico e o trágico, introduzindo personagens grotescos no drama. O teatro francês foi surpreendido com temas e personagens que não pertenciam à esfera do sublime.
Subiram ao palco os temas da loucura, da violência física, da fantasmagoria liberada e da fantasia onírica, temas anteriormente rechaçados pelo neoclacissismo, mas, naquele momento, realçados por um movimento estético que procurava interpretar a alma humana com mais completude.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Goethe na Itália


Goethe viajou para a Itália em 1786 e retornou a Weimar em 1788 . Márcio Seligmann-Silva no seu livro "O local da diferença" relata que a viagem foi também um ato de revolta contra o ideário do movimento Sturm und Drang, de Herder e Hamann, além de ter sido  um encontro com a antiguidade clássica, uma antiguidade idealizada, encontrada concretamente em solo italiano. Seligman-Silva afirma também que o lema de Horácio ut pictura poesis (a poesia é como a pintura) é o fio condutor do escritor alemão e, como leitor e tradutor de paisagens, busca retraduzir as obras clássicas para a paisagem que as inspirou.
Quando deparou com o Lago de Garda, lembrou-se de um verso de Verso de Virgílio e afirmou que era "o primeiro verso latino cujo conteúdo se faz vivo" e, quando visita a Sicília, afirma que naquele momento a Odisseia de Homero tornava-se uma palavra viva para ele. O encontro com a antiguidade foi também um renascimento pessoal do escritor, que afirmou "considero o dia que cheguei a Roma como a data do meu segundo nascimento, de um verdadeiro renascimento".
A Itália proporcionou ao grande escritor germânico um reencontro com o classicismo, além de uma excelente; isto e aquilo foram importantes na produção literária posterior do escritor.

Josemilson Mélo
Maio de 2012

sábado, 19 de maio de 2012

Um conto



Como ela queria não ter certeza de que aquela precisaria ser a última noite que passaria junto com seu mais recente e mais marcante alvo, como ela mesma denominava suas conquistas.

Ela os tinha como alvo porque até acertá-los em cheio ela se dedicava e se esforçava.

Dava o melhor de si, omitia alguns fatos que julgava menores, como os episódios que desenterravam a sua parte mais sincera e sensível, talvez porque achasse que essa parte lhe dava bastante trabalho e lhe roubava muita energia. Energia que ela preferia gastar com as suas conquistas, seus joguinhos de seduzir e seu “se doar” em fatias aos homens.

Seus joguinhos de seduzir iam desde mirar seus alvos até começar a se esquivar deles, quando já estava saturada do mesmo beijo, das mesmas mãos, da mesma forma previsível como era atendida no telefone...

Quando as carícias daquele alvo já estavam enfadonhas e comuns causando nela apatia e desinteresse pelo que o antigo e instigante alvo se transformou. Já os joguinhos de seduzir se desenrolavam de acordo com o que ela mirava no momento. Articulava as situações para que nada saísse do seu controle, principalmente no que dizia respeito a entrar no que ela achava ser pessoal e íntimo demais. Qualquer invasão nesse seu território causava algo como um efeito colateral – o alvo era um, mas os estilhaços atingiam o que não fazia parte do plano – o seu coração.

Poucas pessoas guardavam tão bem o coração quanto ela. Ele era seu tesouro em códigos, quem conseguisse lá chegar, ainda teria o trabalho de achar e decifrar as combinações, e quando alguém chegava perto dos códigos e decifrava alguns, ia aos poucos enfraquecendo e roubando as armas da jogadora que a cada acerto da vítima da vez achava-se no direito de atacá-lo com a sua forma mais arisca e ríspida de revidar esse tipo de invasão.

Talvez tenha perdido grandes e verdadeiras paixões com esse seu jeito defensivo de ser, mas achava melhor assim. Manter-se distante e inabalável sentimentalmente, já que sabia que esse era o seu ponto mais fraco. Como ela sempre dizia: ”- Nós mesmos é quem damos as armas aos nossos inimigos”.

Quando em raras vezes se deixava levar pelas paixões, era traída por suas convicções e por tudo aquilo em que achava que acreditava. Casos passageiros, sexo descompromissado, amar sem se doar, tudo ia pra debaixo do tapete dela, como se nunca houvesse existido esse tipo de doutrina. Ela se transformava em outra pessoa, o que na verdade era sua única vontade, mas era mais difícil ser ela mesma do que sua personagem. A personagem que ela tinha certeza de que precisava para sobreviver.

Em um de seus joguinhos de seduzir, que ela achava que seria apenas mais um, não contava que seu alvo fosse tão espelho dela mesma o quanto ele era.
Dessa vez os dois jogavam! Ela para se sentir superior e independente e ele, pelos mesmos motivos, só que na versão masculina, com um pouco mais de egoísmo. Eles agiam da mesma forma, pensavam as mesmas coisas e tinham os mesmos comportamentos. Sempre se esquivavam do que poderia ser romântico, sensível e duradouro, ou seja, um relacionamento gentil, afetuoso e agradável a longo prazo. O termo longo prazo estava fora do vocabulário de ambos. Eles se doavam por no máximo doze horas, que era o maior período que passavam juntos.

Neste espaço de tempo conseguiam ser um do outro, sem pensar em nada, só aproveitando os momentos de entrega que eram possíveis nessas horas. Depois eram separados pelos compromissos diários, pelos telefonemas que perturbavam a paz e pelas pseudo-verdades que carregavam e que alimentavam a cada momento que sentiam o quanto era perigoso participar e ter que corresponder às expectativas da vida de alguém. Pertenciam-se tanto um ao outro nesses momentos que pareciam ter os mesmos sonhos e desejavam os mesmos objetivos. Talvez esse mesmo objetivo que tanto os unia também os separasse. O prazer de estar juntos sem barreiras e sem proteções brigava em pé de igualdade com a insegurança causada pela falta de proteção que se sente quando se gosta de verdade, mas não se sabe se a recíproca é verdadeira.

Ela, como preferia viver na defensiva quando se viu apaixonada perdendo seu chão por alguma coisa que estava fora de seus 1,67cm de altura, viu-se logo acuada, sem saber como voltar, sem saber como recuperar a sua personagem que há tanto tempo era treinada, mas que naqueles últimos instantes tinha sumido completamente.

Ele que de alvo de joguinho de sedução passou a dividir o lugar de protagonista da história que ela como sempre havia começado a fazer, mas que infelizmente não dependia mais só dela para terminar de contar. Como todas as vezes que se despediam, eles desejavam bom-dia um ao outro e cruzavam um olhar de cumplicidade que era facilmente traduzido como um “até logo”.

Resolveram fazer diferente dessa vez. É que nesse último encontro no qual estiveram juntos as tão marcantes doze horas, tudo foi tão intenso e saiu tanto do controle dos dois que não havia outra saída a não ser não lançarem mais aquele olhar de “até logo”.

Jackeline Brito                                                                                                                                    maio/08.

Jackeline Brito, 30 anos, estudante de letras e pesquisadora da área de linguagem e grande fã de contos. 

domingo, 13 de maio de 2012

Memórias de um delírio realista.


“Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.”
Friedrich Nietzsche

O saudosismo só deveria existir se ele se baseasse em algo realmente concreto, palpável ou relevante. Quando não acontece, sente-se falta apenas de um completo vazio que confirma o estado ilusório em que alguém ou algo se encontra. Conheci alguém que vivia em tal estado. Sentia saudade de detalhes que, em contexto geral, não deveriam nem ser lembrados. Recebi-o muitas vezes em casa para conversas agradáveis até certo ponto. Ora, como amigo eu não poderia suportar ver alguém que tanto estimava vivendo em mundo paralelo ao meu.

Nutria uma paixão por alguém que lhe retribuíra os sentimentos apenas até que aquilo lhe continuasse conveniente. Carlos viveu momentos angustiantes demais e eu não conseguia compreender o porquê de tanto sofrimento; para mim era apenas uma questão de praticidade. Se você vive coisas que não estão te fazendo bem, livre-se delas! Talvez fôssemos mais felizes se conseguíssemos praticar isso, mas há quem diga que se assim fosse não haveria amor. Qual é a ideia de amor que as pessoas têm? Seria a ideia de amor ultra-romântico do século XIX, aquele pautado em melancolia, sofrimento e solidão, aquele amor que nunca se realiza?

Eis uma novidade para quem assim pensa: aquele amor que não se realizava nada mais era do que uma opção do próprio autor. Sim, muitos deles nunca viveram amores tais. Era tudo apenas idealizado. Mas claro que isso é magnífico! Eu mesmo sou um completo fã do mal do século. Não acredita? Mas é a mais pura verdade... é o que mais leio em minha vida e acho fantástico! Porém, sejamos pragmáticos, é algo para nosso deleite e não um modelo de vida. Eu, honestamente, não gostaria de me sentir preso a algo que não existe. Sou real, meus sentimentos também e as pessoas ao meu redor mais ainda. Mas esse sou eu, meu amigo não...

Pois bem, certo dia chegou a minha casa com uma cara tão lívida que pensei tivesse visto alguma assombração pela rua. Depois que externou o problema, passei a preferir que algum fantasma lhe tivesse surgido! Estava há dois dias sem comer porque sua “Dulcinéia” resolvera aceitar o pedido de casamento de outro senhor. Perguntei que mal havia nisso e ele irritou-se comigo. Ainda bem que estava sem comer, consequentemente fraco, do contrário me acertaria com a bengala. Em que estado deplorável esse tipo de amor deixa um homem... tinha agora um amigo metido a “Dom Quixote” e eu jamais quis ser o “Sancho Pança”. De qualquer forma não posso culpar de todo a moça. Ela sempre deixou claro suas intenções para com meu amigo: ser flertada e elevar seu próprio ego, sem que para isso precisasse aceitar aquele homem como marido. Meu pobre amigo sim, tem maior culpa; um tolo, conseguiu deixar-se envolver por algo tão sem necessidade. A questão é que alguém disse que “o amor é um sentimento involuntário, não pode ser evitado”. Tudo bem, não serei o velho ranzinza que esperam, há aí certa verdade, mas esse amor apenas acontece quando as coisas estão se encaminhando da melhor maneira possível, eu poderia dizer o mesmo de meu amigo? Talvez ainda não, mas continuemos a história. Assim sofreu por muito tempo, meu ingênuo amigo, mas não demorou a ficar feliz, não ainda.

Depois de rejeitada por seu pretendente, por motivos até hoje suspeitos, Lúcia, nossa falsa “Dulcinéia”, passou a servir de sombra para Carlos que, sem nenhuma hesitação a aceitou de pronto. O casamento foi como ela bem quis, espalhafatoso como um pavão; sim, acho o pavão um animal muito brega.
A “Dulcinéia” virou “Inês Pereira” ao casar com o “asno”. Para quem nunca leu o auto, Inês Pereira preferiu casar com um homem “discreto, que sabia tanger a viola” a casar com um bom e rico fazendeiro por ele ser um homem simples do campo. Teve um infeliz casamento, mas, para sua felicidade o marido morreu na guerra. Ela casou então com seu primeiro pretendente, mas, traía-o de forma descarada e proferia o seguinte dístico que virou tema da obra: “mais vale asno que me carregue, do que cavalo que me derrube.”. Desse modo, ela passou de “Dulcinéia” para “Inês Pereira” e meu amigo, de “Dom Quixote” para “Pero Marques, o asno” e eu, graças ao bom Deus, não serei mais o “Sancho Pança”.
O desenrolar da história deu-se de forma natural. Ele era o bom e atencioso marido como também ela; por trás daqueles olhos traiçoeiros isso era evidente. Ia trabalhar todos os dias enquanto a jovem punha outro em seu lugar. Isso não era motivo para surpresas, nem para mim, nem para a vizinhança. Uns sentiam dó de meu amigo, outros o achavam motivo de chacota, eu tinha por ele, nesse caso, um pouco dos dois. Deixei-o passar pela humilhação de ter sua vida exposta de forma tão negativa por algum tempo. Talvez não seja a melhor pessoa para julgar, mas achei conveniente que passasse por isso, já que não ouviu o bom senso e nem a mim, que sempre o estimei.
Um dia, porém, resolvi acabar com a alegria daquela criatura pérfida a quem ele chamava de esposa. Tramei um plano. Escrevi um bilhete para ela como sendo seu amásio, marcando encontro em uma cabine de fotografia. Fiz o mesmo com o rapaz. Reuni o maior número de pessoas indignadas com a situação e fomos a um local próximo àquele do encontro dos amantes. Como se tratava de uma cabine móvel, derrubá-la seria coisa muito fácil. Pedi que chamassem meu amigo alegando ser algo sério e que necessitava de sua presença. Sendo ele homem muito solícito e atencioso, aceitou o chamado e foi ao meu encontro. Ao chegar, viu muitas pessoas e passou algum tempo sem entender o que estava acontecendo; enquanto isso, sua esposa prevaricava na cabine fotográfica, mas isso duraria pouco tempo. Alguns jovens orientados previamente por mim derrubaram a cabine expondo os namorados a meu amigo e a praticamente toda a cidade. Carlos ficou em choque, naturalmente; mas conseguiu reunir coragem para enxotar aquela mulher de sua casa e de sua vida. Como todos ofereceram solidariedade a ele, o sofrimento maior deu-se apenas pela decepção amorosa. Eu estava feliz por ter ajudado meu amigo a se livrar dela e por acreditar que ele agora poderia refazer sua vida e, quem sabe até casar-se novamente.
Percebi meses depois que meu amigo continuava a amar aquela mulher e que a trocara pela única coisa que acalenta os que sofrem: o gim. Faliu, iniciou uma busca incessante por um tesouro, lutou contra piratas de sua mente e eu termino essa narrativa apresentando-me: muito prazer, meu nome é Sancho.
Letícia Menezes
Abril de 2012 

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Poema à distância

Tô no portão
sem chinelo nos pés
 esperando você chegar
não demora
não quero mais perder tempo para ser feliz


Quando chegares, desceremos a ladeira
nos lançaremos ao mar
e esqueceremos que um dia estivemos longe.



 Gabriel Tintilo e Tatiane Dias
Abril de 2012

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Sobre a cegueira e a surdez de um transe...


"A loucura é vizinha da mais cruel sensatez. Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente."
Clarice Lispector

Há muita gente a meu redor, mas não vejo ninguém. Meu olhar está fixo em um ponto, e é como se ficasse cega por alguns minutos. No ápice da cegueira, eu me teletransporto para algum lugar distante na minha memória e por lá fico, presa, incapacitada de voltar. Isso às vezes dura segundos... às vezes dura semanas.
Vejo-me no meio de uma estrada, o vulto dos carros passando por mim rapidamente e também as luzes, porque é sempre noite.
Quando retorno, não ouço nada por minutos e aguardo o próximo “insight”. É interessante como podemos ter desses devaneios em salões de beleza, supermercados e pontos de ônibus. Nunca permanecemos nesses lugares. Vamos sempre para o sentido contrário.

Letícia Menezes
leticiatamyres@yahoo.com.br           
22 de abril de 2012