De nosso amor e loucura...

Alguns de nós, eu inclusive, já vimos acalentando a ideia de criar este blog. Fazemos, de certo, parte de um grupo que não se entende como apenas professor, pessoas que criam contos, crônicas, novelas e têm receios de expor suas produções. Somos loucos... loucos pelo ócio mais trabalhoso que existe: escrever Utilizamos as palavras de Clarice Lispector para definir nossa loucura... "Escrevemos porque somos desesperados e estamos cansados, não suportamos mais a rotina de nos ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, nós nos morreríamos simbolicamente todos os dias."

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Talvez só haja hoje

Hoje foi como ontem
e ontem foi quase toda a minha vida
e amanhã será como hoje,
mas tem algo em mim não se conforma com isso...


Talvez esse seja nosso último dia,
estaremos juntos na hora de ir?
 um vazio inexplicável dentro de mim
será que vais ao menos te despedir? 


O céu hoje está azul
e eu mergulho nisso
jamais pensei que fosse pecado sonhar
perdoe-me por te amar...


desculpe por eu ser um anjo com chifres,
por ser um pecador igual a você
eu sou apenas a cópia de uma imitação barata
que teve o coração quebrado pela bomba em sua auréola. 


Por um momento eu pensei que tudo fosse real
as asas de um anjo caído
perdidas por amar uma ilusão
igual a Ícaro em busca da salvação.  


 um Cristo e um cristão na Igreja
me disseram o que eu queria ouvir e nada mudou
nenhuma cruz irá me salvar hoje
me questiono às vezes quanto ao que é verdade ou mito...

Marciel Lima
Maio de 2012

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Algo sobre felicidade


"Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.”
Fernando Pessoa


A felicidade está muito mais ligada a nossas necessidades do que propriamente à alegria que temos ao receber algo. Isso era claro para mim na infância, quando eu ficava eufórica por ganhar caixinhas de LEGO e minha irmã me olhava com aquela cara de quem não estava entendendo nada, e ainda reprovando meu entusiasmo. Enquanto eu ficava feliz por poder pegar emprestado um livro por semana na biblioteca, minha irmã evitava o ambiente por não gostar de leitura. Quando ela começou a aprender a tocar violão, ficava de olhos brilhando ao ganhar palhetas, eu não via a menor graça naquilo. Esse desencontro de reações se deve, acho, ao fato de que não dávamos importância às mesmas coisas, o que é absolutamente normal, já que  somos pessoas distintas, com pensamentos e desejos diferentes.

Certa vez, eu fui com um amigo a uma livraria e, enquanto me via perdida por entre os livros, começou a tocar o cD de uma banda de que gosto especialmente. Estar naquela livraria, ouvindo aquela música e trocando ideias com alguém que considero tão inteligente, foi felicidade. No dia em que vi minha mãe e minha irmã chegando ao aeroporto, mesmo que para passar pouco tempo... aquilo foi felicidade. Da vez que brinquei de “pular-poças” com meus amigos quando largávamos do curso... aquilo foi felicidade. Ver aquele vídeo daquele rapaz brincando com aquela criança... foi felicidade. Rir de marcações e fotos antigas com minha melhor amiga... é felicidade. Passar todas aquelas horas de videoconferência com meu amigo... foi felicidade. 

O que faz desses momentos felicidade? Escolher que sejam importantes.

 Letícia Menezes
8 de maio de 2012

terça-feira, 3 de julho de 2012

Via Crucis


A vida era difícil no sertão, eu morava com meus avós, vovô Venâncio e vovó Jucema, na época, eles já eram bem velhinhos, e mais dois tios, tio Bento e tio Roberto. Mainha morreu quando eu nasci, a parteira não havia conseguido conter o sangramento. Painho saiu de casa a pretexto de ir roçar a terra bem cedo (eu tinha uns 5 anos, num lembro direito). Nunca mais voltou. Minha via crucis começou logo após o sumiço dele, meus tios ficaram indignados com aquilo, na época eu nem entendia nada e essa raiva que sentiam de meu pai acabou sendo transferida para mim. Eu era maltratado, xingado e, como em um jogo, começaram a brincar com meu corpo como se eu fosse uma mulher. Falavam no meu ouvido coisas que eu até pouco tempo não entendia.
         Tio Roberto era o mais bruto dos dois, tinha quase 1,80m de altura e era muito forte; ele mal sabia escrever seu nome, mas era bem disposto para o trabalho. À noite, sem que meus avós percebessem, ele entrava sorrateiramente no meu quarto, sentava na cama, alisava meus cabelos e corria a mão pelo meu corpo. Apavorado, eu tentava gritar, mas era impedido; tapando-me a boca, ele me ameaçava, dizendo que se eu contasse para seus pais (meus avós) ele me mataria ou, até pior, mataria vovó e vovô. Eu tremia de medo, isso me deixava abatido e sem alegria; eu chegava da escola e mal falava com meus amigos, tinha medo de tudo e de todos.
Tio Bento era menos bruto, um pouco mais baixo e magro, tinha mau hálito devido ao fumo; esse me tratava com carinho, parecia até gostar de  mim, mesmo assim, minha vida não era das melhores. Parecia que combinavam as sessões de sevícia, dia sim outro não eu era tocado e estimulado no sexo.
         Meus cinco anos de idade não permitiam que eles fossem mais longe, apenas os toques e beijos. Ainda criança, eu não entendia o porquê de tudo aquilo. Não lembro o dia em que tudo aquilo começou, mas lembro perfeitamente como tudo isso acabou.
         Os anos passaram e meu corpo foi mudando, chegou a puberdade. Duas semanas antes de eu completar 13 anos, meus avós morrem em um acidente com a carroça; os cavalos se assustaram com uma cobra e minha esperança de uma vida melhor se foi com o vento. No enterro, vi nos olhos de meus tios um ar de desejo jamais visto, e foi naquele momento que temi pela minha vida, eles já não tinham mais nada a perder. Eu não tinha meus pais, meus avós e nem ao menos poderia chamar aqueles caras de parentes. Pensei em fugir... e decidi, naquele momento, partir para bem longe; eu sabia que teria que ser rápido, pois meu “fim” estava próximo... chegamos do enterro e fui direto para o quarto. Disse que estava cansado e que no dia seguinte eu tinha escola e depois teria que ir para a roça. Eles apenas balançaram a cabeça, concordando.
Entrei no quarto, separei duas mudas de roupa e esperei a noite cair. O silêncio era total, pedi a Deus para tudo dar certo. O que se seguiu, mal consigo descrever... tio Roberto foi o primeiro a entrar, segurou-me pelos braços, apertou-me, lambeu meu peito. Eu gritei, chorei; tio Bento entrou e, pensei: serei salvo! Que nada! Os dois tinham os olhos vermelhos e senti o cheiro amargo da pinga que vovó guardava embaixo da pia de lavar pratos. Eles rasgaram minha roupa e me possuíram ali mesmo. Gritei! Mordi!. Tentei empurrá-los, mas a força deles era muito superior, minha inocência estava sendo jogada na lama como se eu fosse um dos porcos que eu mesmo alimentava todos os dias. Eles me lambuzaram o corpo e a alma. De dor, adormeci!
         Ao acordar, vi os dois ao meu lado, sem roupa, inconscientes e inocentes; com esforço, eu me levantei, vesti a cueca, vi que havia manchas de sangue na cama; senti meu corpo rasgado. Ódio e desespero passaram pela minha mente, eu não queria passar por aquilo novamente. Nem hesitei, fui até a cozinha, peguei o machado que eu usava para cortar lenha e, com duas machadadas, EU ME LIBERTEI. E PARTI.


Denilson André

29 de junho de 2012