De nosso amor e loucura...

Alguns de nós, eu inclusive, já vimos acalentando a ideia de criar este blog. Fazemos, de certo, parte de um grupo que não se entende como apenas professor, pessoas que criam contos, crônicas, novelas e têm receios de expor suas produções. Somos loucos... loucos pelo ócio mais trabalhoso que existe: escrever Utilizamos as palavras de Clarice Lispector para definir nossa loucura... "Escrevemos porque somos desesperados e estamos cansados, não suportamos mais a rotina de nos ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, nós nos morreríamos simbolicamente todos os dias."

sábado, 21 de abril de 2012

Analgésicos, alucinógenos e antidepressivos


Ele mora na rua da omissão. Finge acreditar em algo que, no fundo, no fundo nem conhece. Tem falsos amigos. Sua família é feita de expectativas. Odeia seu pseudo-emprego. Procura sensações e alegrias falsas. Encena interesse. Espera por algo que vai rejeitar.
Desconfio de ele já ter sentido algo verdadeiro na vida. Teve medo de sentir novamente. Tem medo de pensar, de questionar, de perder antes mesmo de ganhar. Só deseja um Sancho Pança para que sua vida continue “cômoda”. Ou talvez precise apenas de um animal que o carregue nas costas... o animal não vai reclamar de nada. Talvez ele esteja certo. Talvez seja melhor viver com quem diz apenas o que se quer ouvir, com quem vai estar tão próximo quanto o céu está do inferno. Viver com o que nos tira deste mundo corrompido, mesmo que por alguns momentos... alguns momentos... momentos.
Coisa triste viver pela metade...
Coisa triste não viver...
Letícia Menezes
09 de março de 2012

Sobre Dante


Auerbach afirma que Dante, autor da magistral obra poética "A divina comédia", foi praticamente ignorado no barroco e no iluminismo, mas foi redescoberto pelos românticos. Inicialmente pelo pré-romântico Vico e depois por Herder, escritor alemão que sedimentou a mentalidade romântica. O ensaísta Auerbach chega mesmo a afirmar que o filósofo iluminista Voltaire chegou a zombar do estilo dantesco, devido aos exageros de sua linguagem. Semelhante a Homero, Dante escrevia também sobre batalhas, sobre a belicosidade manifesta por grupos humanos; aliás, as guerras entre etnias e países nos chegam pelos noticiários a todo momento. O grande escritor italiano relata também o sofrimento humano no inferno, a meu ver, solidificando estruturalmente a cultura religiosa cristã, que assemelha inferno, castigo e culpa.
Diante do paradoxo racionalidade e sensibilidade, temos que a grandiosidade de Dante é atemporal, e mesmo não estando em evidência por um longo período, o escritor toscano foi redescoberto pelos cultivadores da subjetividade e do sofrimento. O grande representante das letras italianas chega ao século XXI como um criador artístico de marca maior, encantando leitores e o mundo acadêmico.
Josemilson Mélo
abril de 2012

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Chorava, chorei, choro



Chorava e não se aguentava nos cueiros. Diziam de mim desde o dia em que nasci. Não sabiam é que havia dor aqui dentro. Na boca que ardia nas coisas e pensava que o mundo fosse isso. Na barra das calças curtas aos dez anos. Nas mãos que, nervosas, labutaram entre as pernas na adolescência mal apanhada. Nas barreiras invisíveis construídas para fingir não querer o que mais se deseja. Como pode uma dor durar tanto? Abafada pelo sorriso embasbacado diante da juventude com que me deparo todos os dias, essa dor, em frêmito de gozo, que não pude compreender a tempo, não pude viver a tempo, não pude sanar a tempo, que já não sei se poderá ter alívio e que, presa, esvai-se na secura dos olhos, transborda nas palavras que me sinto obrigado a dizer para esses meninos que enxergam em mim uma moldura. Chorava e não me aguentava nos cueiros. Não sou exemplo para ninguém. Sou, isto sim, um anti-modelo. Sou aquilo do que vocês devem fugir. Sou os gestos que precisam evitar. O caminho mais longo a ser contornado. Cresci, mas amadurecer é um calvário impossível de chegar ao fim. Cresci e a dor continua aqui por dentro. Mesmo gozando em semblantes alheios. A dor está cá comigo. Ainda que virando as costas como quem cede a um rogo. A dor persiste por dentro. Voltando-me para atacar com o sexo em riste. A dor lateja mais do que nunca. Apesar de ter me desfeito em espasmos os mais belos. Não me abandona aquela dor. Assim foi que tive que dizer para aqueles que me invadiam por onde eu mais temia e mais sonhava. Chorei e não me aguentei nos cueiros. Há remédio para isso? Algum Alívio? Até hoje as narrativas com que entreteço minha tristeza. Pura ficção. Os braços musculosos do abraço. O odor equino das axilas. Delírio apenas. O vagar em cada escuro recôndito de um corpo. Maléfica imaginação. A compaixão tornada lascívia. A ofensa tornada tesão. Não há em mim uma cicatriz sequer que seja concreta. Por isso, meus filhos, meus amantes, não posso calar diante dessa figura heroica que fazem de mim e não há outra coisa a dizer em minha defesa a não ser que eu ainda choro e não me aguento nos cueiros.

Régis Santos
25 de junho de 2011

Régis Santos é formado em Letras pela UFPE e Mestre em Educação pela mesma instituição. Tem 31 anos e é um escritor sazonal, avesso às festas, festivais e às demais superficialidades do campo literário.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Pax Romana


Erich Auerbach, no seu livro Ensaios de Literatura Ocidental, relata que Virgílio, poeta do Império Romano, pregava que os povos ao redor do Império teriam um destino sob a égide da Providência e apascentado pela pax romana, isto é, sob o jugo do Império Romano. Segundo palavras do próprio Auerbach, "Virgílio fora o poeta do Império Romano; substituíra o velho sentimento patriótico romano, preso aos limites da cidade-estado e às virtudes do camponês itálico, pela ideologia da missão universal de Roma". Bem se vê que cânones da cultura ocidental desde há muito estão interligados ao exercício do poder e desenvolvem pensamentos, conectando misticismo ou religiosidade ou algo semelhante à belicosidade e outras esferas de ação que consolidam o poder.
Transplantando isso para nosso tempo, certamente encontraremos aqui mesmo em Pernambuco setores ligados à expressão artística e literária com intimidade com o poder, articulando ações práticas que possivelmente consolidam até possíveis abusos de poder, mesmo que não tenham nem a glória nem o prestígio de um Virgílio.

Josemilson Melo
Abril de 2012