Ovídio
Às vezes eu tenho a impressão de
que nunca vou me libertar disso. De que vai ser como um ser humano qualquer que
dorme à noite e precisa trabalhar de dia, e que tem todas as imprecisões,
incertezas e mais um monte de outras palavras com prefixo “in”. Geralmente
tenho essa impressão durante o dia, porque à noite, ou durmo, ou me distraio
com a música alta e as luzes dos postes nas ruas. Se eu ligasse para ele a cada
vez que, em momentos de embriaguez com
meus pensamentos alcoolizados sentisse vontade, a fatura de meu cartão de
crédito ultrapassaria meus rendimentos mensais e minha cota de exposição já me teria
deixado completamente nua.
Em três dias fui a três
restaurantes diferentes e pedi o mesmo prato. Enquanto meus amigos reclamavam
da minha falta de criatividade eu constatava que sempre “rodo, rodo e acabo no
mesmo lugar”. É algo que me frustra, mas já estou me acostumando à condição.
Não espero grandes coisas da humanidade, posto que julgo grandiosas as coisas
mais simples. Achei grandioso o fato de um de meus amigos me fazer um caderno
de bolinhas; também fico maravilhada quando eles dizem lembrar-se de mim ao
ouvir alguma música de que eu goste.
Achei grandioso ler “O morro dos
ventos uivantes” e tomar um banho de chuva ao voltar da escola alguns anos
atrás. Ouço frequentemente: “Somos responsáveis por
nossas escolhas.” Concordo, porém acredito que pôr nossas escolhas em prática
nem sempre depende apenas de nós. Penso que a vida seria menos difícil se cada
um pudesse fazer suas escolhas sem depender de ninguém, mas talvez isso nos tornasse
marionetes à mercê das escolhas alheias. O fato é que temos a tendência de
culpar os outros por nossa incapacidade de agir. Não acredito que haja pessoas
que não saibam para onde ir, acredito que elas apenas não sabem que caminho
tomar. Enquanto não decidem, a areia da ampulheta continua caindo e esses
mesmos caminhos vão mudando.
Existem histórias que requerem um
ponto final, mas muitas vezes preferimos acrescentar a estes mais dois pontos.
Pontos finais são definitivos. As pessoas têm medo disso. Eu tenho medo. O medo
é, às vezes, tão grande que se torna cômico. Um ponto final no momento errado
pode tornar a história desinteressante e frustrar o leitor.
Eu o aconselho a não me ver mais.
Os olhos de titubeios dele seguram a caneta, as mãos seguram as pernas e a
ilusão segura as mãos. Se ele não permitisse que suas mãos se aproximassem de
minhas pernas, se ficasse cego, e se fosse um bruxo e apagasse minha memória
poderia ir embora, mas sabe que não iria sozinho, a não ser que apagasse sua
memória também e isso só faria em palavras.
Ponto final?
Letícia Menezes
13 de agosto de
2012