De nosso amor e loucura...

Alguns de nós, eu inclusive, já vimos acalentando a ideia de criar este blog. Fazemos, de certo, parte de um grupo que não se entende como apenas professor, pessoas que criam contos, crônicas, novelas e têm receios de expor suas produções. Somos loucos... loucos pelo ócio mais trabalhoso que existe: escrever Utilizamos as palavras de Clarice Lispector para definir nossa loucura... "Escrevemos porque somos desesperados e estamos cansados, não suportamos mais a rotina de nos ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, nós nos morreríamos simbolicamente todos os dias."

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Misantropo

                                                                                                             
“Sei que vivo em um mundo de fantasias;  mas também prefiro que assim seja                                                                                                                              e me irrito com tudo o que perturba minha visão. A vida real não me interessa.                                                                                                                                       Gosto de observá-la, mas, no fundo apenas para dar rédeas soltas                                                                                                                                              a minha fantasia. Expresso profunda confiança na fantasia...” 
FEDERICO FELLINI.
                                                                                                               

Conheço-o há quase sessenta anos, vida inteira a observá-lo, tolerá-lo, irritá-lo e aplaudi-lo. Ele já foi diferente, já foi tolerante com quem não lhe professasse a fé, ou a ausência dela; quem com ele conseguia partilhar os descaminhos e os subterrâneos que sempre habitou divertiu-se e o execrou. O outro se sentia partilhando, mas ele estava sempre sozinho. Sozinho. Eu percebia que havia quem desejasse com ele se aventurar, mas sua rejeição era sempre iminente e silenciosa, não era necessário, nem possível dizê-la. E lá ia ele, feliz e sozinho, a curtir um, a desdenhar de outro e a se divertir, muito, naquele mundo povoado apenas por ele. Já o vi a chorar saudade. Crês? Mais gente viu! Já o vi a escrever cartas de amor, a fazer plantão às 6h da manhã só para ver passar um certo olhar sanpako que teimava em desdenhá-lo.
Como envelhecemos todos e, neste caso, confortavelmente juntos, fica simples, fica fácil entendê-lo. Quando se é jovem, o outro é importante demais, parece que a felicidade desejada vem de lá, do outro, nunca de dentro de nós. Quando já não se tem juventude, nada está no outro, até pode vir algo de lá, mas não é possível contar com isso. Lágrimas e cartas de amor, saudade, mesmo que pouca, passam a coisas do passado.
Falando em saudade pouca, lembro quando tínhamos menos de cinco anos e saíamos para curtas temporadas de férias num engenho de açúcar. Eu penando saudade de tudo; de minha cama, meu leite quente, da luz na janela ao acordar, os passos de minha mãe no corredor... Ele? Instado por mim, até comentava uma pena aqui, outra acolá, mas logo emendava: vamos subir no pé de azeitona! atirar pedras aos porcos no chiqueiro, espiar quem toma banho pelado no rio...
Havia alguns traços que nele se sobressaíam e me enchiam de admiração: ele topava todas as paradas. Até catar as brasas que caíam da maria-fumaça que transportava a cana colhida e a levava para a usina. Queimávamo-nos com aquela brasa, mas era lindo ver como ela brilhava vermelha quando a tínhamos na mão e a assoprávamos; ele era capaz de contar tudo o que via e vivia, tudo com detalhes miúdos a nosso tio quando ele nos perguntava: - que andaram fazendo hoje? Se lhe deixassem, era capaz de contar até que ao cavalo do capataz faltava uma ferradura.
Chegou o tempo em que já não podíamos contar tudo aos outros. Só podíamos ver, viver e guardar, sabe-se lá para quando possível fazer o quê! Acompanhei-o em suas incursões ao subterrâneo, mudava-me com ele para lá constantemente; enquanto isso, tornava-se cada vez mais difícil gostar do que não estava lá, a menos que fossem histórias, que fossem fantasias, que fossem ao menos fotos, ou até diálogos espreitados do alheio, mesmo que fossem coisas incompreensíveis; mais uma vez, quem sabe, para guardar na parede da memória e poder um dia ir lá buscar e usar de alguma forma...
Hoje, ele parece sentir-se bem eliminando aqueles que um dia lhe estiveram por perto. “Arre”, costuma dizer, “por que pai e mãe vivem tanto?! E irmão e irmã, têm mesmo que ficar a ciscar por perto a querer saber de tudo, a querer ajudar, a visitar? E os amigos parecem pensar que a disponibilidade que não cobro é a que devo dedicar”. Antes de ver o belo e o agradável, elege o feio. Parece só ter olhos para aquilo que destoa, que não combina, que não casa; mesmo assim, ainda lhe admiro um senso de humor ferino, cáustico e uma rejeição assumida à miséria vocabular alheia que me chama as risadas; uma franqueza rascante que só após uns meses o alvo terá conseguido assimilar. E perdoar. Fácil reconhecer-lhe momentos de brilhantismo, mormente quando escreve, mas nunca fui capaz de lhe perdoar o menosprezo.
Nenhum amigo histórico, daqueles capazes de fazer perguntas antigas... aliás, perguntas antigas são o seu nome; sua memória, por vezes constrangedora, aética e despudorada atrai revides  nunca compreendidos.
Quando os sessenta anos sobrevêm, é impossível manter-se longe de manias, arrufos e antipatias. Magoar sim; desculpar-se, difícil. Chegar aos sessenta sem um amor histórico, sem testemunhos vivos e verdadeiros é como esconder-se para sempre sob a carapaça que se vai vestindo aos poucos e que, de repente, já não pode ser retirada...                  


Oswaldo Lucas-Jr
30 nov 2012


sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O plano


E qual era mesmo o plano?
O plano era estar bem,
Era estar feliz
Era ser livre
Era estar completa,
Era ser eu...

Mas por que agora mudou?
Às vezes me sinto mal se penso que não me queres;
Me sinto triste se não estiver ao teu lado
Me sinto presa aos meus sentimentos
Me sinto dividida entre a razão e o coração
Me sinto... Eu!

 Talvez o poeta tenha razão...
é impossível ser feliz sozinho...

Giselle Oliveira
gisellegeyse@hotmail.com
15 de agosto de 2012

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Viagem inusitada


      Não procuro nada além de simples relações, um pouco de prazer e carinho; alguém para ouvir e  que seja bom ouvinte.                                                                                                                    Alguém para beijar, sorrir...

ELEVADOR DÁ PÂNICO EM UNS, EXCITA OUTROS. E produz histórias. Muitas. Quem não conhece ao menos uma? Desde as engraçadas, como as exibidas na TV, em comercial ou não, como aquela em que dois homens, gaiatos, conversam num elevador lotado sobre fictícia doença infectocontagiosa de um deles, sob esgares e olhares medrosos dos outros passageiros e, claro, escárnio dos dois; até notícias trágicas que contam sobre elevador que despencou indo até o poço e matando todos os ocupantes, ou sobre aquele homem que abriu a porta e, inadvertidamente, embarcou num elevador que não estava ali e... morreu. Foram, aliás, acontecimentos como este último que geraram aquele abominável adesivo obrigatório que diz: ... “verifique se o mesmo...”.
Tenho cá minhas relações com elevador, às vezes ressabiadas, quando se trata daqueles em prédios velhos do centro da cidade. Aqueles com portas pantográficas. E às vezes bem amistosas, como com aqueles em prédios modernos, decorados com espelhos enormes que nos facilitam ajeitar o cabelo, limpar os olhos, puxar um fiapo do dente...
Moro num 11º andar, então elevador faz parte de minha rotina. Semanas atrás, chegando a casa mais cedo, 8h da noite, encontrei minha vizinha porta-com-porta na garagem, e juntos embarcamos.
Mulher de uns 40 anos, simpática, charmosa, um mulherão. Cheia de saltos, bolsas, pulseiras e colares, claro que tudo em perfeita harmonia. E mais! Conversa em português escorreito, fala de si, interessa-se pelo interlocutor, olha nos olhos... Meu irmão diz que ela dá de dez nas duas filhas; por sinal, duas gatas.
Íamos a conversar sobre os trâmites de seu divórcio. Sim, divorciada, de um cabra velho, chato e, dizem, louco por quenga. Então um tranco e o elevador parou no 7º andar. Não subia, não descia, não abria a porta. O interfone não funcionava. Só faltava a luz apagar...
Não sou homem de entrar em pânico. Nem minha charmosa vizinha o era. Olhamo-nos e foi como se nos disséssemos easy going! Toc, toc, toc, alguém do lado de fora perguntava se havia alguém preso. Era um morador do 7º, deu-nos umas dicas que fariam a porta abrir. Debalde. - Calma aí, disse-nos, o porteiro vai vir com a chave. Veio o porteiro com a chave, choc, choc, choc e... nada! Teríamos que aguardar a vinda de um técnico. Sugeri então a minha bela vizinha: vamos sentar e aguardar. Dei um jeito de abrir uma fresta na porta para que entrasse algum ar. Ela ligou para as filhas. No máximo em meia-hora seríamos libertados. Mas não foi bem assim...
A cena era impactante. Nós dois sentados no chão do elevador. Não éramos como dois sacos de batatas. Estávamos os dois bem vestidos; mochila, bolsa, chaves, saltos altos, botas, capacete a decorar o chão do ambiente.
E nos pusemos a conversar. Conversar por delicadeza quando não se quer falar e não se tem sobre o que falar é uma maldição, pois não? Felizmente não foi esse o caso. Eu estimulava e ela se punha a contar... contou-me do cachorro do ex-marido, das filhas, falou da loja de moda feminina que mantém no bairro, das dificuldades financeiras... eu falei daquilo que me era mais presente: Brasília, cidade onde ela, aliás, morou por anos. Foi agradável ter com quem trocar as felizes impressões que a cidade me deixara. Contou-me mais... contou-me do gostosão do prédio, verdadeiro deus, casado, que lhe deixara cantada por escrito sob sua porta. Devidamente esnobado.
Já conversávamos havia uma hora quando o subsíndico, o cabra mais simpático do prédio, libertou-nos. E nem acreditou ao ver saírem lá de dentro aqueles dois tão sorridentes, como saídos de um coquetel.

Oswaldo Lucas-Jr                                                                                                                                                                                  olucasjunior@gmail.com                                                                                                                                                                               13 de setembro de 2012

Fragmentos de um diário


Esse som mais uma vez. Demorou para chegar neste ano. Eu gosto. Embora seja o mesmo som que ungiu aquela madrugada. Cada uma de suas gotas me remete a um fragmento de alma que perdi no processo. Eu estou aqui, tomando uma xícara de café morno e amargo, lembrando dela enquanto escrevo estas linhas. Provavelmente está em qualquer lugar bem longe daqui; a esta hora, adormecida em sonhos que ignoram meus pesadelos.  Claro, Maria Eduarda não tem culpa de o céu amanhecer coberto por nuvens, tampouco de que me sinta tão imerso nessa nébula que toma meus julgamentos assim como o torpor de uma tempestade repentina que, por um breve momento, desvia o pássaro de sua rota.
Talvez (só talvez) eu não queira atribuir a “culpa” de minha angústia a uma pessoa só. Talvez o pesar de minha paixão seja demais para atribuir a uma simples experiência. Todavia, não posso ignorar Maria Eduarda que, embora distante, me aparece tão clara em cada lugar para onde direciono minhas vistas. A cor de sua pele, o timbre de sua voz, o calor indescritível de um sonho compartilhado.
Pra falar a verdade, sempre achei ridículo o fato de acreditar no calor que uma pessoa poderia sentir no peito apenas por se apaixonar. E ainda acho, pois Maria Eduarda não me transmitiu simples calor. Os sentimentos inflamavam a alma e a carne entorpecendo cada pedacinho de minha essência. Minha natureza foi tocada profundamente, mudando conceitos de passado, presente e até futuro. Não é como se estivesse vivendo por causa daquela pessoa. É como se, ao longo do tempo que vivi, meu corpo tivesse se tornado um recipiente para algo totalmente novo.
A princípio, o encanto pelo belo se tornou meu clichê favorito. Ainda que de pele morena, estava convencido de que, todo e qualquer raio de luz que pudesse alcançar minha face numa manhã teria que ter vindo de sua própria existência. Sua voz não era “bela como uma música” (pois basta que ponha uma música de que goste como tom para seu despertador que logo você passa a detestá-la). Era bem mais, um verdadeiro maná diante de todo caos que me assolava durante a algazarra dos dias ou a quietude das noites.
Mas o que me pergunto dia após dia é se minha alma foi insuficiente ou se Maria Eduarda derramou uma porção maior do que deveria.
Afinal, eu estou aqui escrevendo sobre isso enquanto ela exibe seu escárnio sobre o assunto e desdenha o olhar que lhe oferece amor e abusa do seu papel de protagonista numa propaganda enganosa.
Dias, meses ou anos passam e a alma despedaçada parece esperar pelo frenesi que poderia restaurar tudo como era antes. Mas ela não faz nada. O cenário se torna cada vez mais tétrico nas páginas deste diário que, gentilmente, recebe uma parcela discreta de minha revolta. Afinal, ela nunca saberá o que escrevo aqui. Maria Eduarda nunca saberá como seu nome foi tão amado (?) por mim.
Talvez seja por isso que escrevo. Porque ela nunca saberá como, para mim, o cheiro do ar deixou de existir e o sabor da água não me surpreende mais. Para ela, tudo deve ter sido sempre assim... Sem gosto.
Raphael Camboim                                                                                                                
raphaelcamboim@hotmail.com                             
21 de agosto de 2012





Raphael Camboim, 26 anos, estudante de letras. Rapaz discreto, inteligente e extremamente observador. Tem na literatura um universo onde pode expressar-se e compreender ainda melhor o mundo e a sim mesmo. 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O que nos une e o que nos separa


Estava tentando entender
Que tipo de relação nós temos
O que nos une e o que nos separa
O que realmente oferecemos e queremos

Um mar, uma palavra, um olhar, um lábio, um orgasmo, uma companhia, uma conchinha à noite, uma curiosidade, uma liberdade, uma libertinagem, uma cumplicidade, uma amizade, troca de favores, um cobertor, uma conveniência...

Percebi que tudo o que nos une é também tudo o que nos separa
Nossas dúvidas, convicções, problemas, soluções...
O que nos afasta é o que nos aproxima
Desde tudo o que amamos, até o que mais nos abomina
Nessa doce agonia de estarmos juntos
E saber que a qualquer hora tudo termina.

Giselle Oliveira
15 de agosto de 2012

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Reticências



“Quem põe ponto final numa paixão com o ódio, ou ainda ama, ou não consegue deixar de sofrer.”
Ovídio 

Às vezes eu tenho a impressão de que nunca vou me libertar disso. De que vai ser como um ser humano qualquer que dorme à noite e precisa trabalhar de dia, e que tem todas as imprecisões, incertezas e mais um monte de outras palavras com prefixo “in”. Geralmente tenho essa impressão durante o dia, porque à noite, ou durmo, ou me distraio com a música alta e as luzes dos postes nas ruas. Se eu ligasse para ele a cada vez que, em momentos de embriaguez  com meus pensamentos alcoolizados sentisse vontade, a fatura de meu cartão de crédito ultrapassaria meus rendimentos mensais e minha cota de exposição já me teria deixado completamente nua.

Em três dias fui a três restaurantes diferentes e pedi o mesmo prato. Enquanto meus amigos reclamavam da minha falta de criatividade eu constatava que sempre “rodo, rodo e acabo no mesmo lugar”. É algo que me frustra, mas já estou me acostumando à condição. Não espero grandes coisas da humanidade, posto que julgo grandiosas as coisas mais simples. Achei grandioso o fato de um de meus amigos me fazer um caderno de bolinhas; também fico maravilhada quando eles dizem lembrar-se de mim ao ouvir alguma música de que eu goste.

Achei grandioso ler “O morro dos ventos uivantes” e tomar um banho de chuva ao voltar da escola alguns anos atrás. Ouço frequentemente: “Somos responsáveis por nossas escolhas.” Concordo, porém acredito que pôr nossas escolhas em prática nem sempre depende apenas de nós. Penso que a vida seria menos difícil se cada um pudesse fazer suas escolhas sem depender de ninguém, mas talvez isso nos tornasse marionetes à mercê das escolhas alheias. O fato é que temos a tendência de culpar os outros por nossa incapacidade de agir. Não acredito que haja pessoas que não saibam para onde ir, acredito que elas apenas não sabem que caminho tomar. Enquanto não decidem, a areia da ampulheta continua caindo e esses mesmos caminhos vão mudando.

Existem histórias que requerem um ponto final, mas muitas vezes preferimos acrescentar a estes mais dois pontos. Pontos finais são definitivos. As pessoas têm medo disso. Eu tenho medo. O medo é, às vezes, tão grande que se torna cômico. Um ponto final no momento errado pode tornar a história desinteressante e frustrar o leitor.

Eu o aconselho a não me ver mais. Os olhos de titubeios dele seguram a caneta, as mãos seguram as pernas e a ilusão segura as mãos. Se ele não permitisse que suas mãos se aproximassem de minhas pernas, se ficasse cego, e se fosse um bruxo e apagasse minha memória poderia ir embora, mas sabe que não iria sozinho, a não ser que apagasse sua memória também e isso só faria em palavras.

Ponto final? 
Letícia Menezes
13 de agosto de 2012

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Encontros



Encontros existem ao acaso?
Encontros paralelos,
Encontros amorosos,
Encontros casuais.
Encontros?
Encontros antecipados,
Encontros REAIS,
Encontros VIRTUAIS?
Encontros!
Simplesmente encontros!
Se existem (DES)encontros que sejam breves.
-Porque, lá na frente, eu hei de te encontrar!!!

Francisco Costa
Agosto de 2012

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Talvez só haja hoje

Hoje foi como ontem
e ontem foi quase toda a minha vida
e amanhã será como hoje,
mas tem algo em mim não se conforma com isso...


Talvez esse seja nosso último dia,
estaremos juntos na hora de ir?
 um vazio inexplicável dentro de mim
será que vais ao menos te despedir? 


O céu hoje está azul
e eu mergulho nisso
jamais pensei que fosse pecado sonhar
perdoe-me por te amar...


desculpe por eu ser um anjo com chifres,
por ser um pecador igual a você
eu sou apenas a cópia de uma imitação barata
que teve o coração quebrado pela bomba em sua auréola. 


Por um momento eu pensei que tudo fosse real
as asas de um anjo caído
perdidas por amar uma ilusão
igual a Ícaro em busca da salvação.  


 um Cristo e um cristão na Igreja
me disseram o que eu queria ouvir e nada mudou
nenhuma cruz irá me salvar hoje
me questiono às vezes quanto ao que é verdade ou mito...

Marciel Lima
Maio de 2012

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Algo sobre felicidade


"Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.”
Fernando Pessoa


A felicidade está muito mais ligada a nossas necessidades do que propriamente à alegria que temos ao receber algo. Isso era claro para mim na infância, quando eu ficava eufórica por ganhar caixinhas de LEGO e minha irmã me olhava com aquela cara de quem não estava entendendo nada, e ainda reprovando meu entusiasmo. Enquanto eu ficava feliz por poder pegar emprestado um livro por semana na biblioteca, minha irmã evitava o ambiente por não gostar de leitura. Quando ela começou a aprender a tocar violão, ficava de olhos brilhando ao ganhar palhetas, eu não via a menor graça naquilo. Esse desencontro de reações se deve, acho, ao fato de que não dávamos importância às mesmas coisas, o que é absolutamente normal, já que  somos pessoas distintas, com pensamentos e desejos diferentes.

Certa vez, eu fui com um amigo a uma livraria e, enquanto me via perdida por entre os livros, começou a tocar o cD de uma banda de que gosto especialmente. Estar naquela livraria, ouvindo aquela música e trocando ideias com alguém que considero tão inteligente, foi felicidade. No dia em que vi minha mãe e minha irmã chegando ao aeroporto, mesmo que para passar pouco tempo... aquilo foi felicidade. Da vez que brinquei de “pular-poças” com meus amigos quando largávamos do curso... aquilo foi felicidade. Ver aquele vídeo daquele rapaz brincando com aquela criança... foi felicidade. Rir de marcações e fotos antigas com minha melhor amiga... é felicidade. Passar todas aquelas horas de videoconferência com meu amigo... foi felicidade. 

O que faz desses momentos felicidade? Escolher que sejam importantes.

 Letícia Menezes
8 de maio de 2012

terça-feira, 3 de julho de 2012

Via Crucis


A vida era difícil no sertão, eu morava com meus avós, vovô Venâncio e vovó Jucema, na época, eles já eram bem velhinhos, e mais dois tios, tio Bento e tio Roberto. Mainha morreu quando eu nasci, a parteira não havia conseguido conter o sangramento. Painho saiu de casa a pretexto de ir roçar a terra bem cedo (eu tinha uns 5 anos, num lembro direito). Nunca mais voltou. Minha via crucis começou logo após o sumiço dele, meus tios ficaram indignados com aquilo, na época eu nem entendia nada e essa raiva que sentiam de meu pai acabou sendo transferida para mim. Eu era maltratado, xingado e, como em um jogo, começaram a brincar com meu corpo como se eu fosse uma mulher. Falavam no meu ouvido coisas que eu até pouco tempo não entendia.
         Tio Roberto era o mais bruto dos dois, tinha quase 1,80m de altura e era muito forte; ele mal sabia escrever seu nome, mas era bem disposto para o trabalho. À noite, sem que meus avós percebessem, ele entrava sorrateiramente no meu quarto, sentava na cama, alisava meus cabelos e corria a mão pelo meu corpo. Apavorado, eu tentava gritar, mas era impedido; tapando-me a boca, ele me ameaçava, dizendo que se eu contasse para seus pais (meus avós) ele me mataria ou, até pior, mataria vovó e vovô. Eu tremia de medo, isso me deixava abatido e sem alegria; eu chegava da escola e mal falava com meus amigos, tinha medo de tudo e de todos.
Tio Bento era menos bruto, um pouco mais baixo e magro, tinha mau hálito devido ao fumo; esse me tratava com carinho, parecia até gostar de  mim, mesmo assim, minha vida não era das melhores. Parecia que combinavam as sessões de sevícia, dia sim outro não eu era tocado e estimulado no sexo.
         Meus cinco anos de idade não permitiam que eles fossem mais longe, apenas os toques e beijos. Ainda criança, eu não entendia o porquê de tudo aquilo. Não lembro o dia em que tudo aquilo começou, mas lembro perfeitamente como tudo isso acabou.
         Os anos passaram e meu corpo foi mudando, chegou a puberdade. Duas semanas antes de eu completar 13 anos, meus avós morrem em um acidente com a carroça; os cavalos se assustaram com uma cobra e minha esperança de uma vida melhor se foi com o vento. No enterro, vi nos olhos de meus tios um ar de desejo jamais visto, e foi naquele momento que temi pela minha vida, eles já não tinham mais nada a perder. Eu não tinha meus pais, meus avós e nem ao menos poderia chamar aqueles caras de parentes. Pensei em fugir... e decidi, naquele momento, partir para bem longe; eu sabia que teria que ser rápido, pois meu “fim” estava próximo... chegamos do enterro e fui direto para o quarto. Disse que estava cansado e que no dia seguinte eu tinha escola e depois teria que ir para a roça. Eles apenas balançaram a cabeça, concordando.
Entrei no quarto, separei duas mudas de roupa e esperei a noite cair. O silêncio era total, pedi a Deus para tudo dar certo. O que se seguiu, mal consigo descrever... tio Roberto foi o primeiro a entrar, segurou-me pelos braços, apertou-me, lambeu meu peito. Eu gritei, chorei; tio Bento entrou e, pensei: serei salvo! Que nada! Os dois tinham os olhos vermelhos e senti o cheiro amargo da pinga que vovó guardava embaixo da pia de lavar pratos. Eles rasgaram minha roupa e me possuíram ali mesmo. Gritei! Mordi!. Tentei empurrá-los, mas a força deles era muito superior, minha inocência estava sendo jogada na lama como se eu fosse um dos porcos que eu mesmo alimentava todos os dias. Eles me lambuzaram o corpo e a alma. De dor, adormeci!
         Ao acordar, vi os dois ao meu lado, sem roupa, inconscientes e inocentes; com esforço, eu me levantei, vesti a cueca, vi que havia manchas de sangue na cama; senti meu corpo rasgado. Ódio e desespero passaram pela minha mente, eu não queria passar por aquilo novamente. Nem hesitei, fui até a cozinha, peguei o machado que eu usava para cortar lenha e, com duas machadadas, EU ME LIBERTEI. E PARTI.


Denilson André

29 de junho de 2012

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Meu caminho


Tem algo tentando roubar quem eu sou          
e o ladrão sou eu mesmo        
nem tive tempo para começar                                                                                               
para que vou desistir?
Não há como resgatar o tempo perdido,                                                                                
mas dá para aproveitar o que resta.
É difícil salvar a mim próprio mas,                                                                                                    
se há mãos estendidas, é que mereço ser puxado                                                                          
o buraco em que me meti tem saída                                                                                  
então, por que não sair?
Há tantas vozes em meu subconsciente...                                                                                   
o que é certo deve ser cumprido.
Sacrifício não é obstáculo digno para me parar...

Marciel Lima
Maio de 2012