Esse som mais uma vez.
Demorou para chegar neste ano. Eu gosto. Embora seja o mesmo som que ungiu
aquela madrugada. Cada uma de suas gotas me remete a um fragmento de alma que
perdi no processo. Eu estou aqui, tomando uma xícara de café morno e amargo,
lembrando dela enquanto escrevo estas linhas. Provavelmente está em qualquer
lugar bem longe daqui; a esta hora, adormecida em sonhos que ignoram meus
pesadelos. Claro, Maria Eduarda não tem
culpa de o céu amanhecer coberto por nuvens, tampouco de que me sinta tão
imerso nessa nébula que toma meus julgamentos assim
como o torpor de uma tempestade repentina que, por um breve momento, desvia o
pássaro de sua rota.
Talvez (só talvez) eu não
queira atribuir a “culpa” de minha angústia a uma pessoa só. Talvez o pesar de
minha paixão seja demais para atribuir a uma simples experiência. Todavia, não
posso ignorar Maria Eduarda que, embora distante, me aparece tão clara em cada
lugar para onde direciono minhas vistas. A cor de sua pele, o timbre de sua
voz, o calor indescritível de um sonho compartilhado.
Pra falar a verdade, sempre
achei ridículo o fato de acreditar no calor que uma pessoa poderia sentir no
peito apenas por se apaixonar. E ainda acho, pois Maria Eduarda não me
transmitiu simples calor. Os sentimentos inflamavam a alma e a carne
entorpecendo cada pedacinho de minha essência. Minha natureza foi tocada
profundamente, mudando conceitos de passado, presente e até futuro. Não é como
se estivesse vivendo por causa daquela pessoa. É como se, ao longo do tempo que
vivi, meu corpo tivesse se tornado um recipiente para algo totalmente novo.
A princípio, o encanto pelo
belo se tornou meu clichê favorito. Ainda que de pele morena, estava convencido
de que, todo e qualquer raio de luz que pudesse alcançar minha face numa manhã teria
que ter vindo de sua própria existência. Sua voz não era “bela como uma música”
(pois basta que ponha uma música de que goste como tom para seu despertador que
logo você passa a detestá-la). Era bem mais, um verdadeiro maná diante de todo
caos que me assolava durante a algazarra dos dias ou a quietude das noites.
Mas o que me pergunto dia
após dia é se minha alma foi insuficiente ou se Maria Eduarda derramou uma
porção maior do que deveria.
Afinal, eu estou aqui
escrevendo sobre isso enquanto ela exibe seu escárnio sobre o assunto e
desdenha o olhar que lhe oferece amor e abusa do seu papel de protagonista numa
propaganda enganosa.
Dias, meses ou anos passam e
a alma despedaçada parece esperar pelo frenesi que poderia restaurar tudo como
era antes. Mas ela não faz nada. O cenário se torna cada vez mais tétrico nas
páginas deste diário que, gentilmente, recebe uma parcela discreta de minha
revolta. Afinal, ela nunca saberá o que escrevo aqui. Maria Eduarda nunca
saberá como seu nome foi tão amado (?) por mim.
Talvez seja por isso que
escrevo. Porque ela nunca saberá como, para mim, o cheiro do ar deixou de
existir e o sabor da água não me surpreende mais. Para ela, tudo deve ter sido
sempre assim... Sem gosto.
Raphael Camboim
21 de agosto de 2012
Raphael Camboim, 26 anos, estudante de letras. Rapaz discreto, inteligente e extremamente observador. Tem na literatura um universo onde pode expressar-se e compreender ainda melhor o mundo e a sim mesmo.
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