De nosso amor e loucura...

Alguns de nós, eu inclusive, já vimos acalentando a ideia de criar este blog. Fazemos, de certo, parte de um grupo que não se entende como apenas professor, pessoas que criam contos, crônicas, novelas e têm receios de expor suas produções. Somos loucos... loucos pelo ócio mais trabalhoso que existe: escrever Utilizamos as palavras de Clarice Lispector para definir nossa loucura... "Escrevemos porque somos desesperados e estamos cansados, não suportamos mais a rotina de nos ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, nós nos morreríamos simbolicamente todos os dias."

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Fragmentos de um diário


Esse som mais uma vez. Demorou para chegar neste ano. Eu gosto. Embora seja o mesmo som que ungiu aquela madrugada. Cada uma de suas gotas me remete a um fragmento de alma que perdi no processo. Eu estou aqui, tomando uma xícara de café morno e amargo, lembrando dela enquanto escrevo estas linhas. Provavelmente está em qualquer lugar bem longe daqui; a esta hora, adormecida em sonhos que ignoram meus pesadelos.  Claro, Maria Eduarda não tem culpa de o céu amanhecer coberto por nuvens, tampouco de que me sinta tão imerso nessa nébula que toma meus julgamentos assim como o torpor de uma tempestade repentina que, por um breve momento, desvia o pássaro de sua rota.
Talvez (só talvez) eu não queira atribuir a “culpa” de minha angústia a uma pessoa só. Talvez o pesar de minha paixão seja demais para atribuir a uma simples experiência. Todavia, não posso ignorar Maria Eduarda que, embora distante, me aparece tão clara em cada lugar para onde direciono minhas vistas. A cor de sua pele, o timbre de sua voz, o calor indescritível de um sonho compartilhado.
Pra falar a verdade, sempre achei ridículo o fato de acreditar no calor que uma pessoa poderia sentir no peito apenas por se apaixonar. E ainda acho, pois Maria Eduarda não me transmitiu simples calor. Os sentimentos inflamavam a alma e a carne entorpecendo cada pedacinho de minha essência. Minha natureza foi tocada profundamente, mudando conceitos de passado, presente e até futuro. Não é como se estivesse vivendo por causa daquela pessoa. É como se, ao longo do tempo que vivi, meu corpo tivesse se tornado um recipiente para algo totalmente novo.
A princípio, o encanto pelo belo se tornou meu clichê favorito. Ainda que de pele morena, estava convencido de que, todo e qualquer raio de luz que pudesse alcançar minha face numa manhã teria que ter vindo de sua própria existência. Sua voz não era “bela como uma música” (pois basta que ponha uma música de que goste como tom para seu despertador que logo você passa a detestá-la). Era bem mais, um verdadeiro maná diante de todo caos que me assolava durante a algazarra dos dias ou a quietude das noites.
Mas o que me pergunto dia após dia é se minha alma foi insuficiente ou se Maria Eduarda derramou uma porção maior do que deveria.
Afinal, eu estou aqui escrevendo sobre isso enquanto ela exibe seu escárnio sobre o assunto e desdenha o olhar que lhe oferece amor e abusa do seu papel de protagonista numa propaganda enganosa.
Dias, meses ou anos passam e a alma despedaçada parece esperar pelo frenesi que poderia restaurar tudo como era antes. Mas ela não faz nada. O cenário se torna cada vez mais tétrico nas páginas deste diário que, gentilmente, recebe uma parcela discreta de minha revolta. Afinal, ela nunca saberá o que escrevo aqui. Maria Eduarda nunca saberá como seu nome foi tão amado (?) por mim.
Talvez seja por isso que escrevo. Porque ela nunca saberá como, para mim, o cheiro do ar deixou de existir e o sabor da água não me surpreende mais. Para ela, tudo deve ter sido sempre assim... Sem gosto.
Raphael Camboim                                                                                                                
raphaelcamboim@hotmail.com                             
21 de agosto de 2012





Raphael Camboim, 26 anos, estudante de letras. Rapaz discreto, inteligente e extremamente observador. Tem na literatura um universo onde pode expressar-se e compreender ainda melhor o mundo e a sim mesmo. 

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