C
horava e
não se aguentava nos cueiros. Diziam de mim desde o dia em que nasci. Não
sabiam é que havia dor aqui dentro. Na boca que ardia nas coisas e pensava que
o mundo fosse isso. Na barra das calças curtas aos dez anos. Nas mãos que,
nervosas, labutaram entre as pernas na adolescência mal apanhada. Nas barreiras
invisíveis construídas para fingir não querer o que mais se deseja. Como pode
uma dor durar tanto? Abafada pelo sorriso embasbacado diante da juventude com
que me deparo todos os dias, essa dor, em frêmito de gozo, que não pude
compreender a tempo, não pude viver a tempo, não pude sanar a tempo, que já não
sei se poderá ter alívio e que, presa, esvai-se na secura dos olhos, transborda
nas palavras que me sinto obrigado a dizer para esses meninos que enxergam em
mim uma moldura. Chorava e não me aguentava nos cueiros. Não sou exemplo para
ninguém. Sou, isto sim, um anti-modelo. Sou aquilo do que vocês devem fugir.
Sou os gestos que precisam evitar. O caminho mais longo a ser contornado.
Cresci, mas amadurecer é um calvário impossível de chegar ao fim. Cresci e a
dor continua aqui por dentro. Mesmo gozando em semblantes alheios. A dor está
cá comigo. Ainda que virando as costas como quem cede a um rogo. A dor persiste
por dentro. Voltando-me para atacar com o sexo em riste. A dor lateja mais do
que nunca. Apesar de ter me desfeito em espasmos os mais belos. Não me abandona
aquela dor. Assim foi que tive que dizer para aqueles que me invadiam por onde
eu mais temia e mais sonhava. Chorei e não me aguentei nos cueiros. Há remédio
para isso? Algum Alívio? Até hoje as narrativas com que entreteço minha
tristeza. Pura ficção. Os braços musculosos do abraço. O odor equino das
axilas. Delírio apenas. O vagar em cada escuro recôndito de um corpo. Maléfica
imaginação. A compaixão tornada lascívia. A ofensa tornada tesão. Não há em mim
uma cicatriz sequer que seja concreta. Por isso, meus filhos, meus amantes, não
posso calar diante dessa figura heroica que fazem de mim e não há outra coisa a
dizer em minha defesa a não ser que eu ainda choro e não me aguento nos
cueiros.
Régis Santos
25 de junho de 2011
Régis Santos é formado em Letras pela UFPE e Mestre em Educação pela mesma instituição. Tem 31 anos e é um escritor sazonal, avesso às festas, festivais e às demais superficialidades do campo literário.