De nosso amor e loucura...

Alguns de nós, eu inclusive, já vimos acalentando a ideia de criar este blog. Fazemos, de certo, parte de um grupo que não se entende como apenas professor, pessoas que criam contos, crônicas, novelas e têm receios de expor suas produções. Somos loucos... loucos pelo ócio mais trabalhoso que existe: escrever Utilizamos as palavras de Clarice Lispector para definir nossa loucura... "Escrevemos porque somos desesperados e estamos cansados, não suportamos mais a rotina de nos ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, nós nos morreríamos simbolicamente todos os dias."

domingo, 13 de maio de 2012

Memórias de um delírio realista.


“Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.”
Friedrich Nietzsche

O saudosismo só deveria existir se ele se baseasse em algo realmente concreto, palpável ou relevante. Quando não acontece, sente-se falta apenas de um completo vazio que confirma o estado ilusório em que alguém ou algo se encontra. Conheci alguém que vivia em tal estado. Sentia saudade de detalhes que, em contexto geral, não deveriam nem ser lembrados. Recebi-o muitas vezes em casa para conversas agradáveis até certo ponto. Ora, como amigo eu não poderia suportar ver alguém que tanto estimava vivendo em mundo paralelo ao meu.

Nutria uma paixão por alguém que lhe retribuíra os sentimentos apenas até que aquilo lhe continuasse conveniente. Carlos viveu momentos angustiantes demais e eu não conseguia compreender o porquê de tanto sofrimento; para mim era apenas uma questão de praticidade. Se você vive coisas que não estão te fazendo bem, livre-se delas! Talvez fôssemos mais felizes se conseguíssemos praticar isso, mas há quem diga que se assim fosse não haveria amor. Qual é a ideia de amor que as pessoas têm? Seria a ideia de amor ultra-romântico do século XIX, aquele pautado em melancolia, sofrimento e solidão, aquele amor que nunca se realiza?

Eis uma novidade para quem assim pensa: aquele amor que não se realizava nada mais era do que uma opção do próprio autor. Sim, muitos deles nunca viveram amores tais. Era tudo apenas idealizado. Mas claro que isso é magnífico! Eu mesmo sou um completo fã do mal do século. Não acredita? Mas é a mais pura verdade... é o que mais leio em minha vida e acho fantástico! Porém, sejamos pragmáticos, é algo para nosso deleite e não um modelo de vida. Eu, honestamente, não gostaria de me sentir preso a algo que não existe. Sou real, meus sentimentos também e as pessoas ao meu redor mais ainda. Mas esse sou eu, meu amigo não...

Pois bem, certo dia chegou a minha casa com uma cara tão lívida que pensei tivesse visto alguma assombração pela rua. Depois que externou o problema, passei a preferir que algum fantasma lhe tivesse surgido! Estava há dois dias sem comer porque sua “Dulcinéia” resolvera aceitar o pedido de casamento de outro senhor. Perguntei que mal havia nisso e ele irritou-se comigo. Ainda bem que estava sem comer, consequentemente fraco, do contrário me acertaria com a bengala. Em que estado deplorável esse tipo de amor deixa um homem... tinha agora um amigo metido a “Dom Quixote” e eu jamais quis ser o “Sancho Pança”. De qualquer forma não posso culpar de todo a moça. Ela sempre deixou claro suas intenções para com meu amigo: ser flertada e elevar seu próprio ego, sem que para isso precisasse aceitar aquele homem como marido. Meu pobre amigo sim, tem maior culpa; um tolo, conseguiu deixar-se envolver por algo tão sem necessidade. A questão é que alguém disse que “o amor é um sentimento involuntário, não pode ser evitado”. Tudo bem, não serei o velho ranzinza que esperam, há aí certa verdade, mas esse amor apenas acontece quando as coisas estão se encaminhando da melhor maneira possível, eu poderia dizer o mesmo de meu amigo? Talvez ainda não, mas continuemos a história. Assim sofreu por muito tempo, meu ingênuo amigo, mas não demorou a ficar feliz, não ainda.

Depois de rejeitada por seu pretendente, por motivos até hoje suspeitos, Lúcia, nossa falsa “Dulcinéia”, passou a servir de sombra para Carlos que, sem nenhuma hesitação a aceitou de pronto. O casamento foi como ela bem quis, espalhafatoso como um pavão; sim, acho o pavão um animal muito brega.
A “Dulcinéia” virou “Inês Pereira” ao casar com o “asno”. Para quem nunca leu o auto, Inês Pereira preferiu casar com um homem “discreto, que sabia tanger a viola” a casar com um bom e rico fazendeiro por ele ser um homem simples do campo. Teve um infeliz casamento, mas, para sua felicidade o marido morreu na guerra. Ela casou então com seu primeiro pretendente, mas, traía-o de forma descarada e proferia o seguinte dístico que virou tema da obra: “mais vale asno que me carregue, do que cavalo que me derrube.”. Desse modo, ela passou de “Dulcinéia” para “Inês Pereira” e meu amigo, de “Dom Quixote” para “Pero Marques, o asno” e eu, graças ao bom Deus, não serei mais o “Sancho Pança”.
O desenrolar da história deu-se de forma natural. Ele era o bom e atencioso marido como também ela; por trás daqueles olhos traiçoeiros isso era evidente. Ia trabalhar todos os dias enquanto a jovem punha outro em seu lugar. Isso não era motivo para surpresas, nem para mim, nem para a vizinhança. Uns sentiam dó de meu amigo, outros o achavam motivo de chacota, eu tinha por ele, nesse caso, um pouco dos dois. Deixei-o passar pela humilhação de ter sua vida exposta de forma tão negativa por algum tempo. Talvez não seja a melhor pessoa para julgar, mas achei conveniente que passasse por isso, já que não ouviu o bom senso e nem a mim, que sempre o estimei.
Um dia, porém, resolvi acabar com a alegria daquela criatura pérfida a quem ele chamava de esposa. Tramei um plano. Escrevi um bilhete para ela como sendo seu amásio, marcando encontro em uma cabine de fotografia. Fiz o mesmo com o rapaz. Reuni o maior número de pessoas indignadas com a situação e fomos a um local próximo àquele do encontro dos amantes. Como se tratava de uma cabine móvel, derrubá-la seria coisa muito fácil. Pedi que chamassem meu amigo alegando ser algo sério e que necessitava de sua presença. Sendo ele homem muito solícito e atencioso, aceitou o chamado e foi ao meu encontro. Ao chegar, viu muitas pessoas e passou algum tempo sem entender o que estava acontecendo; enquanto isso, sua esposa prevaricava na cabine fotográfica, mas isso duraria pouco tempo. Alguns jovens orientados previamente por mim derrubaram a cabine expondo os namorados a meu amigo e a praticamente toda a cidade. Carlos ficou em choque, naturalmente; mas conseguiu reunir coragem para enxotar aquela mulher de sua casa e de sua vida. Como todos ofereceram solidariedade a ele, o sofrimento maior deu-se apenas pela decepção amorosa. Eu estava feliz por ter ajudado meu amigo a se livrar dela e por acreditar que ele agora poderia refazer sua vida e, quem sabe até casar-se novamente.
Percebi meses depois que meu amigo continuava a amar aquela mulher e que a trocara pela única coisa que acalenta os que sofrem: o gim. Faliu, iniciou uma busca incessante por um tesouro, lutou contra piratas de sua mente e eu termino essa narrativa apresentando-me: muito prazer, meu nome é Sancho.
Letícia Menezes
Abril de 2012 

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