De nosso amor e loucura...

Alguns de nós, eu inclusive, já vimos acalentando a ideia de criar este blog. Fazemos, de certo, parte de um grupo que não se entende como apenas professor, pessoas que criam contos, crônicas, novelas e têm receios de expor suas produções. Somos loucos... loucos pelo ócio mais trabalhoso que existe: escrever Utilizamos as palavras de Clarice Lispector para definir nossa loucura... "Escrevemos porque somos desesperados e estamos cansados, não suportamos mais a rotina de nos ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, nós nos morreríamos simbolicamente todos os dias."

sábado, 19 de maio de 2012

Um conto



Como ela queria não ter certeza de que aquela precisaria ser a última noite que passaria junto com seu mais recente e mais marcante alvo, como ela mesma denominava suas conquistas.

Ela os tinha como alvo porque até acertá-los em cheio ela se dedicava e se esforçava.

Dava o melhor de si, omitia alguns fatos que julgava menores, como os episódios que desenterravam a sua parte mais sincera e sensível, talvez porque achasse que essa parte lhe dava bastante trabalho e lhe roubava muita energia. Energia que ela preferia gastar com as suas conquistas, seus joguinhos de seduzir e seu “se doar” em fatias aos homens.

Seus joguinhos de seduzir iam desde mirar seus alvos até começar a se esquivar deles, quando já estava saturada do mesmo beijo, das mesmas mãos, da mesma forma previsível como era atendida no telefone...

Quando as carícias daquele alvo já estavam enfadonhas e comuns causando nela apatia e desinteresse pelo que o antigo e instigante alvo se transformou. Já os joguinhos de seduzir se desenrolavam de acordo com o que ela mirava no momento. Articulava as situações para que nada saísse do seu controle, principalmente no que dizia respeito a entrar no que ela achava ser pessoal e íntimo demais. Qualquer invasão nesse seu território causava algo como um efeito colateral – o alvo era um, mas os estilhaços atingiam o que não fazia parte do plano – o seu coração.

Poucas pessoas guardavam tão bem o coração quanto ela. Ele era seu tesouro em códigos, quem conseguisse lá chegar, ainda teria o trabalho de achar e decifrar as combinações, e quando alguém chegava perto dos códigos e decifrava alguns, ia aos poucos enfraquecendo e roubando as armas da jogadora que a cada acerto da vítima da vez achava-se no direito de atacá-lo com a sua forma mais arisca e ríspida de revidar esse tipo de invasão.

Talvez tenha perdido grandes e verdadeiras paixões com esse seu jeito defensivo de ser, mas achava melhor assim. Manter-se distante e inabalável sentimentalmente, já que sabia que esse era o seu ponto mais fraco. Como ela sempre dizia: ”- Nós mesmos é quem damos as armas aos nossos inimigos”.

Quando em raras vezes se deixava levar pelas paixões, era traída por suas convicções e por tudo aquilo em que achava que acreditava. Casos passageiros, sexo descompromissado, amar sem se doar, tudo ia pra debaixo do tapete dela, como se nunca houvesse existido esse tipo de doutrina. Ela se transformava em outra pessoa, o que na verdade era sua única vontade, mas era mais difícil ser ela mesma do que sua personagem. A personagem que ela tinha certeza de que precisava para sobreviver.

Em um de seus joguinhos de seduzir, que ela achava que seria apenas mais um, não contava que seu alvo fosse tão espelho dela mesma o quanto ele era.
Dessa vez os dois jogavam! Ela para se sentir superior e independente e ele, pelos mesmos motivos, só que na versão masculina, com um pouco mais de egoísmo. Eles agiam da mesma forma, pensavam as mesmas coisas e tinham os mesmos comportamentos. Sempre se esquivavam do que poderia ser romântico, sensível e duradouro, ou seja, um relacionamento gentil, afetuoso e agradável a longo prazo. O termo longo prazo estava fora do vocabulário de ambos. Eles se doavam por no máximo doze horas, que era o maior período que passavam juntos.

Neste espaço de tempo conseguiam ser um do outro, sem pensar em nada, só aproveitando os momentos de entrega que eram possíveis nessas horas. Depois eram separados pelos compromissos diários, pelos telefonemas que perturbavam a paz e pelas pseudo-verdades que carregavam e que alimentavam a cada momento que sentiam o quanto era perigoso participar e ter que corresponder às expectativas da vida de alguém. Pertenciam-se tanto um ao outro nesses momentos que pareciam ter os mesmos sonhos e desejavam os mesmos objetivos. Talvez esse mesmo objetivo que tanto os unia também os separasse. O prazer de estar juntos sem barreiras e sem proteções brigava em pé de igualdade com a insegurança causada pela falta de proteção que se sente quando se gosta de verdade, mas não se sabe se a recíproca é verdadeira.

Ela, como preferia viver na defensiva quando se viu apaixonada perdendo seu chão por alguma coisa que estava fora de seus 1,67cm de altura, viu-se logo acuada, sem saber como voltar, sem saber como recuperar a sua personagem que há tanto tempo era treinada, mas que naqueles últimos instantes tinha sumido completamente.

Ele que de alvo de joguinho de sedução passou a dividir o lugar de protagonista da história que ela como sempre havia começado a fazer, mas que infelizmente não dependia mais só dela para terminar de contar. Como todas as vezes que se despediam, eles desejavam bom-dia um ao outro e cruzavam um olhar de cumplicidade que era facilmente traduzido como um “até logo”.

Resolveram fazer diferente dessa vez. É que nesse último encontro no qual estiveram juntos as tão marcantes doze horas, tudo foi tão intenso e saiu tanto do controle dos dois que não havia outra saída a não ser não lançarem mais aquele olhar de “até logo”.

Jackeline Brito                                                                                                                                    maio/08.

Jackeline Brito, 30 anos, estudante de letras e pesquisadora da área de linguagem e grande fã de contos. 

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